domingo, 29 de janeiro de 2012

Os feios também amam



Para quem entrou aqui achando que teria um texto sobre amor, dançou! Isto daqui esta bem mais para crítica social. E repensando no título agora, não deveria ser “os feios também amam” e sim “os feios, pobres e miseráveis também amam”.

Explico. Todos os dias no caminho para o trabalho o ônibus de cada dia passa exatamente por baixo do mesmo viaduto. Nele, pessoas dormem, comem, fazem suas necessidades, vivem e se amam. Sim, se amam! A cena dramática me chama atenção todos os dias, e não por que de fato é uma cena dramática, e sim por que sempre as mesmas duas pessoas, estão juntas, trocando carinhos, dormindo abraçados, dividindo um pão duro, um cigarro barato ou um gole de cachaça.

Claro que não me sinto a melhor pessoa do mundo por ter reparado nas duas pessoas se amando em meio aquela miséria, e não por aquilo ser uma miséria de fato. Não fiquei orgulhosa pela minha atenção ter sido chamada por um casal namorar em meio aquela podridão e não pela podridão em si.

Infelizmente cenas como essas já se tornaram normal no nosso dia a dia. Infelizmente nos acostumamos com essa pobreza alheia que nos parece até normal, pois “teoricamente” não nos diz respeito. Essa realidade já se adaptou a nossa urbanidade, desviamos, pulamos por cima, atravessamos a rua, fingimos que não vimos. Infelizmente!

Cada dia que eu passo pelo viaduto eu olho o casal e não entendo. Definitivamente eu não entendo. Cerca de cinquenta e cinco perguntas me passam na cabeça nesse momento. “Como eles chegaram nessa situação?”, “Como eles deixaram chegar nessa situação?”, “Será que isso é, de fato, falta de oportunidade”, “Será que isso foi uma opção?”.

Seres humanos normais não podem aceitar aquele tipo de vida para chamar de sua. O colchão que eles dormem está no chão há tanto tempo, está tão molhado de chuva e de urina que já apodreceu. Não existe mais uma espuma e sim uma mancha preta grudada na calçada. Os cobertores com que se cobrem estão tão encardidos que não sei mais dizer que cores eram quando novos. A falta de um banheiro os faz urinar e defecar ali do lado do lugar onde dormem e comem.

Diga-me, qual ser humano sonhou com uma vida dessas para si? Se me falarem que isso é falta de oportunidade, o argumento teria que ser muito bom. Eu não sei até que ponto acreditaria. Sempre existe alternativa: voltar para a cidade de onde veio; limpar privada no boteco da esquina em troca de um pingado e um pão com mortadela; pedir arrego para a prefeitura e seus milhões de projetos e bolsas sociais.

Agora se essa vida miserável for de fato uma opção, então eu desisto do ser humano. E ainda que seja uma opção, não parece uma decisão sensata, de pessoas centradas, psicologicamente saudáveis. O que significaria uma omissão por parte dos governos e da sociedade.

Existe alguma coisa errada nessa imagem de mendigos se amando felizes no meio da rua. Não por eles se amarem, sou defensora do amor, seja ele qual for, mas qualquer sentimento em meio a essas condições me assusta. Seria esse tipo de amor a verdadeira definição para a tal da “casinha de sapê”? Essa situação me lembra uma frase de Garcia Márquez, "El amor se hace más grande y noble en la calamidad".

Enfim, não sou cientista política, socióloga ou Madre Teresa de Calcutá. Sou uma comunicadora, humana o suficiente para me indignar com essa situação e corajosa (ou ingênua) o suficiente para acreditar que sempre temos escolha, que sempre existe segunda chance, que existe uma força maior dentro do ser humano capaz de fazê-lo mudar o rumo de suas vidas.

Queria que aquele casal (e todos os outros mendigos do mundo) acreditasse nisso também..

3 comentários:

  1. Eu fiquei emocionada com seu relato. No meio de tanta miséria eles são mais ricos que muita gente, inábeis para tal sentimento como o amor.

    A miséria como opção seria muita ingenuidade, nem a mais preguiçosa das pessoas trocaria uma cama quentinha por um colchão no concreto, masacredito que seja miséria por ignorância.

    Ignorância em recorrer aos órgãos públicos, ignorância em saber que todos nós temos direito a moradia ... enfim!!!

    Quando passo por esse viaduto muitas questões pairam em minha mente também.

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  2. eh...a ignorância nos domina de vez em quando. e creio que eles nao se dao conta da situação em que estao e ficam pensando ''puts o que estou fazendo de minha vida?'', apenas vivem, ou melhor, sobrevivem!
    a ignorancia pode nos segar completamente, e cabe a nos fazer o disserimento das coisas...

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  3. Correndo o risco de cair em redundância com os comentários já feitos acima, tenho que reforçar que essas pessoas que viu sob o viaduto muitas vezes nos ensinam muito sobre a vida... Sobre como é viver quando a sua preocupação primeira é a refeição incerta e o futuro tão incerto quanto. É preciso coragem para desviar os olhos do cotidiano anestesiado que o mundo burguês nos oferece, e enxergar a realidade daqueles que sobrevivem, que são os verdadeiros heróis da vida urbana... Por isso, acho que posso afirmar que o olhar da moça urbana nunca foi tão legítimo! Agradeço pela leitura que você nos proporcionou!

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