Ok, matar é um pouquinho exagerado,
não? No máximo queria bater sua cabeça na parede porque ela enlouquecia minha
vida. Primeiro foi a desordem na casa, louça suja, geladeira entupida de restos
de comida em sacolas, pratos, panelas. Eu fazia questão de deixar tudo limpo
depois de usar, mas a gentileza não era recíproca. Quando eu chegava com minhas
compras tinha que reorganizar a geladeira, definindo os espaços relativos a
cada uma. Senti-me um pouco irritante e achei melhor comer fora de casa todos
os dias antes que eu me transformasse em um Sheldon Cooper da vida real. Abdiquei minha parte
da geladeira e não entrei na cozinha por pelo menos uma semana para evitar os
calafrios.
O lixo era outro problema. Em Buenos
Aires o lixo deve ser retirado entre às 20 e 21 horas de domingo a sexta, ou
seja, alguém tinha que incorporar o hulk e carregar escadaria abaixo os vários
sacos mal cheirosos. E adivinha quem frequentemente fazia esse serviço? Eu,
lógico, só de imaginar insetos na casa tinha arrepios. Um dia fiz um pedido
gentil “Tienes que ayudarme com la basura, puedes sacarla mañana?”, no dia
seguinte reiterei o pedido “Sacas la basura hoy , por favor, no olvides”, no
terceiro dia foi quase um grito “NO CREO QUE OLVIDASTE DE SACAR LA BASURA”. Era
21h10 eu tinha acabado de chegar, desci a escadaria correndo para me certificar
que o caminhão de lixo não havia passado e interfonei ao meu apartamento puta
da vida ordenando que descesse com o lixo.
Não aguentei, reclamei com a
coordenadora dos alojamentos, não queria ser a chata que fica mandando na
galera, mas também não queria ser a pata que fazia tudo sozinha. A partir dai a
coisa funcionou. A louça não ficava mais suja por três dias, agora só por três
horas e os sacos de lixos começaram a ser tirados conforme a escala. A vida
doméstica na casa melhorou, porém a minha vida de boas noites dormidas acabou.
Eu já tinha uma teenager na casa que
precisava de orientação quando ao lixo, duas teenager eu não aguentaria. E foi
justamente o que aconteceu. Chegou a terceira moradora do apartamento, outra
Estadounidense loira, estilo barbie que não falava um A em espanhol. Eu que não
sou nem de longe fluente no inglês entendia tudo o que elas falavam, porém
sentia uma dificuldade tremenda de articular as frases, mas improvisava quando
precisava. O problema foi que as duas adolescentes fizeram amizade com uma
terceira barbie e quando eu estava na casa me sentia como em um seriado teen.
Ahhh não seja chata, porque não se
enturmou com elas? E quem disse que não tentei? Eu e os outros americanos da
escola, inclusive. Acontece que se a pessoa não era o estereótipo barbie não
poderia entrar no clube, e de barbie eu tenho só a vontade de ter um
conversível rosa. Até aí tudo bem, eu tinha meus amigos e elas os delas e cada
grupo vivia tranquilo fazendo festinhas particulares em um cômodo da casa. O
problema real começou quando elas descobriram a nigthlife porteña (que é uma
delícia, diga-se de passagem). Chegavam todos os dias depois das 4 da
madrugada, acompanhadas de garotos, ligando o som e conversando alto enquanto
eu acordava assustada no quarto do lado e perdia o sono.
Eu pensava cinquenta vezes em como
arrebentaria a cabeça de uma delas na parede, mas me limitava a parar na porta
com a cara mais brava (e sonolenta) do mundo e lembrar as garotas com amnésia alcoólica
que existia mais gente na casa e respeito era um negocinho bacana quando se
vive em comunidade.
No outro dia, elas se deitavam para
dormir as sete e meu despertador tocava às oito. Eu pensava cinco vezes antes
de desligar o som do alarme, ou pelo menos até a companheira de quarto se
debater na cama por conta do barulho, sinal que acordou. Cogitei preparar um
café da manhã bem barulhento, com batidas altas de panela enquanto assistia um
canal de culinária em espanhol no volume máximo da TV. Não o fiz.
Por mais que cenas de vingança
passavam por minha cabeça a cada dois segundos eu não colocava em prática.
Primeiro por que não sou uma pessoa vingativa, segundo porque imaginei que o retorno
da vingança seria pior. Lembrava de todos os filmes da Lindsey Lohan no
colegial e no inferno que transformavam a vida da garota legal (sim, a garota
legal sou eu), então respirava fundo e repetia “são só mais alguns dias, eu
aguento".
Uma amiga americana me contou que em
muitos estados dos EUA a maioridade só vem depois dos 21 e antes de entrar na
faculdade é normal que os filhinhos ganhem um intercâmbio de seus pais. Por
óbvio, os jovens escolhem países que tudo é liberado depois dos 18 e não existe
tanta cobrança. Buenos Aires é um lugar ótimo pra isso, a vida noturna é muito
boa, todo mundo arrisca no inglês e o melhor para os americanos é vir aqui e
gastar seu rico dinheirinho: um dólar equivale a quase cinco pesos argentinos.
Passou gente, fora a vontade de cometer um atentado
terrorista contra as dondoquinhas a minha viagem foi ótima. As pessoas que
conheci fora da casa compensaram as pessoas de dentro da casa. E como toda boa filhadaputagem que rola com cada um, depois que passa
a gente ri.