terça-feira, 4 de setembro de 2012

Por que eu queria matar minha colega de quarto?


Ok, matar é um pouquinho exagerado, não? No máximo queria bater sua cabeça na parede porque ela enlouquecia minha vida. Primeiro foi a desordem na casa, louça suja, geladeira entupida de restos de comida em sacolas, pratos, panelas. Eu fazia questão de deixar tudo limpo depois de usar, mas a gentileza não era recíproca. Quando eu chegava com minhas compras tinha que reorganizar a geladeira, definindo os espaços relativos a cada uma. Senti-me um pouco irritante e achei melhor comer fora de casa todos os dias antes que eu me transformasse em um Sheldon Cooper da vida real. Abdiquei minha parte da geladeira e não entrei na cozinha por pelo menos uma semana para evitar os calafrios. 

O lixo era outro problema. Em Buenos Aires o lixo deve ser retirado entre às 20 e 21 horas de domingo a sexta, ou seja, alguém tinha que incorporar o hulk e carregar escadaria abaixo os vários sacos mal cheirosos. E adivinha quem frequentemente fazia esse serviço? Eu, lógico, só de imaginar insetos na casa tinha arrepios. Um dia fiz um pedido gentil “Tienes que ayudarme com la basura, puedes sacarla mañana?”, no dia seguinte reiterei o pedido “Sacas la basura hoy , por favor, no olvides”, no terceiro dia foi quase um grito “NO CREO QUE OLVIDASTE DE SACAR LA BASURA”. Era 21h10 eu tinha acabado de chegar, desci a escadaria correndo para me certificar que o caminhão de lixo não havia passado e interfonei ao meu apartamento puta da vida ordenando que descesse com o lixo. 

Não aguentei, reclamei com a coordenadora dos alojamentos, não queria ser a chata que fica mandando na galera, mas também não queria ser a pata que fazia tudo sozinha. A partir dai a coisa funcionou. A louça não ficava mais suja por três dias, agora só por três horas e os sacos de lixos começaram a ser tirados conforme a escala. A vida doméstica na casa melhorou, porém a minha vida de boas noites dormidas acabou.
Eu já tinha uma teenager na casa que precisava de orientação quando ao lixo, duas teenager eu não aguentaria. E foi justamente o que aconteceu. Chegou a terceira moradora do apartamento, outra Estadounidense loira, estilo barbie que não falava um A em espanhol. Eu que não sou nem de longe fluente no inglês entendia tudo o que elas falavam, porém sentia uma dificuldade tremenda de articular as frases, mas improvisava quando precisava. O problema foi que as duas adolescentes fizeram amizade com uma terceira barbie e quando eu estava na casa me sentia como em um seriado teen.  

Ahhh não seja chata, porque não se enturmou com elas? E quem disse que não tentei? Eu e os outros americanos da escola, inclusive. Acontece que se a pessoa não era o estereótipo barbie não poderia entrar no clube, e de barbie eu tenho só a vontade de ter um conversível rosa. Até aí tudo bem, eu tinha meus amigos e elas os delas e cada grupo vivia tranquilo fazendo festinhas particulares em um cômodo da casa. O problema real começou quando elas descobriram a nigthlife porteña (que é uma delícia, diga-se de passagem). Chegavam todos os dias depois das 4 da madrugada, acompanhadas de garotos, ligando o som e conversando alto enquanto eu acordava assustada no quarto do lado e perdia o sono.
Eu pensava cinquenta vezes em como arrebentaria a cabeça de uma delas na parede, mas me limitava a parar na porta com a cara mais brava (e sonolenta) do mundo e lembrar as garotas com amnésia alcoólica que existia mais gente na casa e respeito era um negocinho bacana quando se vive em comunidade.
No outro dia, elas se deitavam para dormir as sete e meu despertador tocava às oito. Eu pensava cinco vezes antes de desligar o som do alarme, ou pelo menos até a companheira de quarto se debater na cama por conta do barulho, sinal que acordou. Cogitei preparar um café da manhã bem barulhento, com batidas altas de panela enquanto assistia um canal de culinária em espanhol no volume máximo da TV. Não o fiz. 

Por mais que cenas de vingança passavam por minha cabeça a cada dois segundos eu não colocava em prática. Primeiro por que não sou uma pessoa vingativa, segundo porque imaginei que o retorno da vingança seria pior. Lembrava de todos os filmes da Lindsey Lohan no colegial e no inferno que transformavam a vida da garota legal (sim, a garota legal sou eu), então respirava fundo e repetia “são só mais alguns dias, eu aguento". 

Uma amiga americana me contou que em muitos estados dos EUA a maioridade só vem depois dos 21 e antes de entrar na faculdade é normal que os filhinhos ganhem um intercâmbio de seus pais. Por óbvio, os jovens escolhem países que tudo é liberado depois dos 18 e não existe tanta cobrança. Buenos Aires é um lugar ótimo pra isso, a vida noturna é muito boa, todo mundo arrisca no inglês e o melhor para os americanos é vir aqui e gastar seu rico dinheirinho: um dólar equivale a quase cinco pesos argentinos.
Passou gente, fora a vontade de cometer um atentado terrorista contra as dondoquinhas a minha viagem foi ótima. As pessoas que conheci fora da casa compensaram as pessoas de dentro da casa. E como toda boa filhadaputagem que rola com cada um, depois que passa a gente ri.